Sobre Kafka

A casa de Franz Kafka (Nº22), em Praga
Não há como sonharmos através de Kafka. Com certeza não existiu nunca o leitor que num momento de secreto bem estar, de abandono a devaneios de felicidade, tenha se dedicado a evocar uma história, uma passagem ou uma personagem kafkiana. Jamais nos lembramos de Kafka com ternura ou alguma alegria. Não existe amor nesta ficção - nenhum amor que escolheríamos viver. É uma leitura que não nos permite repousar um instante sequer em convicções optimistas. É uma leitura que não acolhe nossas ilusões de pacificação entre a intimidade e o resto do mundo.
Talvez vá mais longe ainda a impossibilidade de identificação, pois parece não haver espelho nem mesmo para a dor, para nenhum momento individual de sofrimento. Os seres kafkianos são puramente construções de linguagem, figuras feitas de palavra, seu tormento pode atingir o paroxismo, mas sua humanidade jamais é literal, jamais convida a imediata transposição empírica. Talvez não venha a existir o leitor que, através de Franz Kafka, possa ter compaixão de si mesmo.

Editora Companhia Das Letras,

Franz Kafka - Narrativas do espólio

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